Saúde Inteligente: o impacto da Inteligência Artificial

Uso da IA pode contribuir no diagnóstico e tratamento de doenças até a gestão hospitalar

A imagem mostra um profissional de saúde, trabalhando em um laptop. Ele veste uniforme médico cinza e tem um estetoscópio ao redor do pescoço. Suas mãos estão no teclado do laptop, e, acima do laptop, há ícones holográficos flutuantes que representam diversos elementos da saúde.

Gustavo Rosa Gameiro é médico, especialista em Educação em Saúde, doutorando em Oftalmologia em Ciências Visuais na Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) — Campus São Paulo, está entre os jovens líderes da Academia Nacional de Medicina (2023–2028) e representou o Brasil na mais recente edição do Lindau Nobel Laureate Meeting.

A primeira venda de um livro pela Amazon em abril de 1995 — Conceitos Fluídos e Analogias Criativas: Modelos Computadorizados de Mecanismos Fundamentais do Pensamento — já destacava conceitos relacionados à Inteligência Artificial (IA). Embora a IA não seja novidade, sua democratização e aplicação prática em diversas áreas é um fenômeno mais recente. Para se ter uma ideia, em apenas cinco dias após seu lançamento no final de 2022, o ChatGPT 3.0 superou 1 milhão de usuários, enquanto o Facebook levou mais de dez meses para alcançar essa marca.

O mercado de saúde digital é gigantesco e deve movimentar cerca de 1 trilhão de dólares no mundo até 2032. No Brasil, a previsão do governo federal é de um investimento de R$ 42 bilhões até 2026 na estratégia nacional para o desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Dentro do contexto do G20 em nosso país, o grupo de engajamento Science20, composto pelas academias de ciências dos países membros, destacou a IA e os desafios do acesso à saúde como temas cruciais para as recomendações aos governos. Isso reflete a crescente importância dessas tecnologias na transformação dos sistemas de saúde, melhorando tanto o diagnóstico quanto a eficiência dos tratamentos.

As aplicações da IA na saúde são vastas. No diagnóstico, a IA é utilizada na análise de exames de imagens, como radiografias e tomografias, permitindo, por exemplo, a detecção precoce de câncer de mama em mamografias e o rastreio de retinopatia diabética ou hipertensiva através de retinografias em Oftalmologia. Ferramentas de IA também têm o potencial de revolucionar a gestão hospitalar, automatizando processos administrativos, como o faturamento de consultas e procedimentos, além de otimizar o agendamento, melhorando o acesso e a experiência do paciente. A IA pode realizar tarefas repetitivas com uma eficiência muito superior à humana, liberando os profissionais de saúde para focarem mais na interação e no cuidado direto com os pacientes.

Outro uso promissor da IA na saúde é a personalização dos tratamentos. Com a análise de grandes volumes de dados, incluindo informações genéticas, a IA pode ajudar a identificar padrões e prever como diferentes pacientes responderão a determinados tratamentos, permitindo uma abordagem mais individualizada e eficaz, a chamada medicina de precisão. Isso não apenas tem o potencial de melhorar os resultados clínicos, mas também otimiza os recursos de saúde, direcionando-os para onde serão mais eficazes. Cirurgias robóticas que reduzem tremores dos cirurgiões e viabilizam operações à distância também são campos de atuação da IA. Ademais, na vigilância epidemiológica, a IA desempenha um papel crucial na previsão de surtos e epidemias de doenças por meio da análise de dados públicos e ambientais.

Entretanto, o desenvolvimento e a implementação de modelos de IA enfrentam inúmeros desafios. Um dos aspectos centrais é a necessidade de bases de dados confiáveis, limpas e representativas. Nesse contexto, o jargão “garbage in, garbage out” ilustra bem a importância de dados de qualidade: se a entrada de dados for ruim, o resultado será igualmente insatisfatório. A maior parte do tempo dos cientistas de dados é dedicada à organização e à curadoria dessas bases, garantindo que os algoritmos de IA possam operar de forma eficaz e precisa. Além disso, a governança desses dados e os limites do uso ético da IA são questões cruciais que precisam ser abordadas. A quem pertencem os dados? Como garantir a transparência nos algoritmos e a privacidade dos dados dos pacientes? Um exemplo do mau uso de ferramentas de IA é a propagação de fake news, que deve ser combatida com educação e ciência. Essas questões precisam ser cuidadosamente discutidas à medida que a IA continua a se expandir no campo da saúde.

Além dos desafios técnicos, é importante considerar as desigualdades regionais no acesso à infraestrutura necessária para o treinamento desses modelos. Nesse aspecto, o Sul Global está em notável desvantagem, não apenas por sua menor capacidade de processamento em comparação com os países do Norte, mas também por barreiras de conectividade à internet, entre outros desafios, como presença de recursos humanos.

Outro ponto que merece atenção é o custo ambiental associado à manutenção de grandes centros de processamento de dados, fundamentais para o funcionamento dos algoritmos de IA. Pesquisa da Universidade da Califórnia estima que, para cada 20 a 50 perguntas feitas ao ChatGPT, sejam consumidos cerca de meio litro de água. Além disso, o consumo de energia desses centros é significativo: cada solicitação ao ChatGPT consome três vezes mais energia que uma solicitação similar ao Google, o que levanta questões sobre a sustentabilidade desses modelos em larga escala.

Apesar desses desafios, a IA já está inserida em nosso cotidiano e, especialmente, na área da saúde, em clínicas e hospitais públicos e privados por todo o nosso país. Ela se mostra extremamente útil no diagnóstico e acompanhamento de diversas patologias, permitindo uma análise mais rápida e precisa de exames e imagens médicas. À medida que avançamos, é crucial que os desafios técnicos, éticos e ambientais sejam enfrentados de maneira responsável, garantindo que os avanços tecnológicos tragam benefícios reais e sustentáveis para a sociedade. Afinal, a tecnologia e a ciência têm que servir a alguém.

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