O nióbio e suas aplicações no tratamento de águas poluídas

Yvan J. O. Asencios, professor adjunto do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) — Campus Baixada Santista e coordenador do Laboratório Pesquisa em Catálise e Química Sustentável. É engenheiro químico, mestre, doutor e pós-doutorado em Química (Físico-Química)

Imagem do pentóxido de nióbio, retirada do artigo Hexagonal-Nb2O5/Anatase-TiO2 mixtures and their applications in the removal of Methylene Blue dye under various conditions (http://dx.doi.org/10.1016/j.matchemphys.2017.06.029)

O nióbio (símbolo químico Nb) é um metal de transição (Número atômico: 41, Massa atômica: 92,90638 u), descoberto em 1801 pelo químico Charles Hatchett (Londres, 1765–1847). Dentre suas propriedades destacam-se: alta condutividade térmica e elétrica, ductilidade, maleabilidade, alta resistência ao calor, ao desgaste e à corrosão. Por essas características, ele tem a capacidade de melhorar as propriedades dos materiais. O Brasil é o detentor de cerca de 98% dos depósitos de Nióbio em operação no planeta. Araxá (MG) concentra a maior parte das jazidas (75%), cuja exploração é realizada pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). [1]

Hoje em dia, o nióbio é utilizado em diversas aplicações tecnológicas (em carros, turbinas de avião, sondas espaciais, aparelhos de ressonância magnética, marcapassos, foguetes espaciais, tubulações de gás, baterias, componentes eletrônicos entre outros) [2]. Porém, seu uso como catalisador ainda é pouco explorado — catalisador é uma substância que acelera as reações químicas; o estudo da aceleração das reações químicas chama-se catálise. O pentóxido de nióbio (Nb₂O₅) é um sólido branco, com uma baixa área superficial, insolúvel em água, possui caráter ácido (principalmente, em sua forma hidratada, conhecida como ácido nióbico, Nb₂O₅.nH₂O), tem propriedades redox (oxido-redução) e não é tóxico [3].

Poluição das águas e formas de tratamento

A saúde e o bem-estar da população dependem de um abastecimento contínuo e adequado da água, que obedeça aos padrões de qualidade necessários para seu consumo. O Objetivo 6, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS, estabelecido pela Organização das Nações Unidas — ONU), é “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”. Esse é um objetivo fundamental a ser cumprido para chegar ao almejado Desenvolvimento Sustentável [4]. Neste cenário, existe uma grande demanda por métodos de tratamento de água cada vez mais eficientes, que sejam de baixo custo, que não gerem subprodutos (ou resíduos tóxicos) e que sejam de fácil implementação e acesso. Os métodos de tratamento de água podem ser classificados em três grupos: físicos, químicos e biológicos. Os métodos convencionais incluem: filtração, coagulação-floculação, precipitação, resinas de troca iônica, lodos ativados, entre outros. Esses processos podem gerar grandes quantidades de resíduos (ex. lama tóxica), causar elevado consumo de reagentes químicos e energia, tudo isso eleva o custo operacional e abre a necessidade de tratamentos posteriores, o que pode prejudicar sua disponibilidade. Os processos de tratamentos de águas que usam adsorventes e filtração por membranas são promissores, pois são de fácil operação, porém os adsorventes e as membranas costumam ser feitos de materiais caros (exemplo: membranas poliméricas e carvões ativados, e precisam de processo auxiliares para sua regeneração) [5].

Figura 1. Alguns corantes sintéticos: (a) Azul de metileno. [6]. (b) Rodamina B [7]
Figura 2. Compostos fenólicos

Poluentes orgânicos, como corantes sintéticos (exemplo: Alaranjado de Metila, Vermelho de Metila, Azul de Metileno, Rodamina B, Vermelho do Congo, Cibacron Vermelho Brilhante 3B-A, etc.) e compostos fenólicos (exemplo: fenol, catecol, hidroquinona, etc), são amplamente usados ​​nas indústrias têxtil, de papel, cosmética, farmacêutica, de tintas, de couro, de alimentos, etc (Figura 1). Em muitas ocasiões, os corantes sintéticos remanescentes do processo de tingimento são despejados em corpos de água sem o tratamento adequado (ou em alguns casos sem tratamento). Alguns corantes sintéticos são tóxicos, mutagênicos e carcinógenos [5]. Os corantes sintéticos podem bloquear a penetração da luz solar e impedir que as plantas aquáticas realizem fotossíntese. De outro lado, os compostos fenólicos (Figura 2) destroem todos os tipos de células, são muito tóxicos para organismos aquáticos (ex. peixes e plâncton) e, em humanos, são tóxicos por inalação, por contato com a pele e por ingestão [8].

Processos oxidativos avançados

Os processos oxidativos avançados (POA) são processos que consistem na geração de radicais altamente oxidantes (por exemplo: o radical hidroxila OH.) capazes de oxidar moléculas orgânicas dissolvidas em água, levando-as à mineralização (CO₂ e H₂O). A fotocatálise-heterogênea é um tipo de POA, que ocorre em meio heterogêneo (entre um catalisador sólido e um líquido) em presença de radiação eletromagnética (que pode ser ultravioleta ou visível). Nesse processo, o catalisador é um sólido semicondutor (por exemplo TiO₂ — o mais utilizado, ZnO, Fe₂O₃, etc.), e a radiação eletromagnética deve possuir energia suficiente para ativar o catalisador (hv> Eband-gap). A Figura 3 representa o processo de forma simbólica.

Figura 3. Representação do processo fotocatalítico (obs. Quantidades não estequiométricas)

Esse processo gera radicais •OH, que levam à degradação de uma enorme variedade de poluentes orgânicos (exemplo: corantes têxteis, fenóis, organoclorados etc.) altamente solúveis em água. Em comparação com os métodos tradicionais mencionados anteriormente, tem a vantagem de ser um processo rápido, simples, eficaz, não é seletivo, não exige descarte de lodo de resíduo em aterro e não exige gasto de consumo de reagentes.

Pesquisas feitas no Campus Baixada Santista da Unifesp

Em um estudo publicado na revista Materials Chemistry and Physics [9], o Grupo de Catálise e Química Sustentável do Campus Baixada Santista da Unifesp reportou a obtenção do Nb2O5 a partir de um sal solúvel de Nióbio (Oxalato Amoniacal de Nióbio) por uma rota de síntese simples, que foi testado como fotocatalisador para degradar o corante sintético Azul de Metileno em água (em presença de luz UV-C). Esse mesmo material foi adicionado ao TiO₂ (comercial), formando fotocatalisadores de óxidos mistos Nb₂O₅/TiO₂, sensíveis a luz visível, os quais conseguiram degradar efetivamente o corante Azul de Metileno em solução aquosa sobre luz branca. Embora o Azul de metileno tenha uma baixa toxicidade em humanos, é toxico para a biota aquática, e seu despejo inadequado deve ser evitado.

Em um outro estudo também feito no mesmo grupo de pesquisa, desta vez publicado na revista Solar Energy [10], nano-heteroestruturas de nióbio — junção de estruturas de nióbio :NaNbO₃ e Na₅Nb₄O₁₁, de tamanho nanométrico* — foram reportadas por primeira vez. Esse material foi sintetizado por uma metodologia simples e econômica. As nano-heteroestruturas foram depositadas à argila natural, visando dotar de novas propriedades às argilas naturais. Os catalisadores resultantes conseguiram degradar a Rodamina B (Figura 1) em presença de luz UV (por fotocatálise-heterogênea, UV de 254 nm). Rodamina B é um corante sintético, de conhecida toxicidade em humanos (possível carcinogênico), e de efeitos tóxicos à biota aquática, por isso sua completa eliminação é necessária.

Um outro estudo dessa vez na revista Rare Metals [11], fenol (Figura 3) e Azul de Metileno (Figura 1) presentes em água foram degradados eficientemente usando catalisadores de compostos de óxido de Nióbio (Nb₂O₅) dopado com pequenas quantidades de óxido de cério (CeO₂) sob luz visível (luz branca). Os resultados se mostraram muito promissores.

Mais estudos usando Nióbio estão sendo desenvolvidos no Laboratório de Catálise e Química Sustentável, coordenado pelo Prof. Dr. Yvan Asencios, como, por exemplo, a degradação de contaminantes em água de mar, efluentes da indústria do petróleo, produção de gás de síntese, produção de hidrogênio, entre outros. Desde 2018, o laboratório se dedica a pesquisas na área da química verde e tecnologia química. Todos estes trabalhos contaram com o patrocínio das agências de Fomento (Fapesp 19/24776–4, 18/07368–7, 17/01462–9, 14/24940–5, e CNPq 407097/20) e com colaborações da Universidade Federal do ABC (Santo André/SP) e da Universidade de São Paulo (USP São Carlos/SP). Contou-se com o apoio da CBMM, que cedeu os sais de Nióbio necessários para preparar os catalisadores.

Figura 4. Catalisadores em contato com água poluída

Referências:

1. O polémico nióbio. Revista Pesquisa FAPESP. Edição 277. Março 2019. https://revistapesquisa.fapesp.br/o-polemico-niobio/ (acesso em 14.07.2021)

2. https://cbmm.com/pt/niobio (acesso em 14.07.2021)

3. Tanabe K. Catalytic application of niobium compounds. Catalysis Today. 78, 1–4, 2003, 65–77.

4. https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/6

5. Muedas-Taipe G, Maza- Mejía I. M., Santillan F. A., Velásquez C. J., Asencios Y. J.O. Removal of azo dyes in aqueous solutions using magnetized and chemically modified chitosan beads. Materials Chemistry and Physics. 256, 2020, 123595

6. https://www.sigmaaldrich.com/BR/pt/product/sial/m9140?context=product

7. https://www.sigmaaldrich.com/BR/pt/product/SIGMA/R6626

8. Número da FISPQ: 238, Safety Data Sheet for Fenol 100206, https://www.labsynth.com.br/fispq/FISPQ-%20Fenol.pdf

9. Ferraz N. P., Marcos F.C.F., Nogueira A.E., Martins A.S., Lanza M.R.V., Assaf E.M., Asencios Y. J.O. Hexagonal-Nb2O5/Anatase-TiO2 mixtures and their applications in the removal of Methylene Blue dye under various conditions. http://dx.doi.org/10.1016/j.matchemphys.2017.06.029

10. Asencios Y.J.O., Quijo M.V., Marcos F.C.F., Nogueira A.E., Rocca R. R., Assaf E. M. Photocatalytic activity of Nb heterostructure (NaNbO3/Na2Nb4O11) and Nb/clay materials in the degradation of organic compounds https://doi.org/10.1016/j.solener.2019.10.005

11. Ferraz N. P., Nogueira A. E., Marcos F.C.F., Machado V. A., Rocca R. R., Assaf E. M., Asencios Y. J. O. CeO2–Nb2O5 photocatalysts for degradation of organic pollutants in water. Rare Metals 39, (2020), 230–240 https://doi.org/10.1007/s12598-019-01282-7

* Um nanômetro é 10–9m

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