Em defesa do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)

É preciso reformular o PAT, não o extinguir

Refeitório do Campus Baixada Santista (Créditos: arquivo pessoal)

Prof. Dr. Daniel Henrique Bandoni
Prof.ª Dr.ª Veridiana Vera de Rosso
Coordenação do Centro de Práticas e Pesquisa em Nutrição e Alimentação Coletiva
Instituto de Saúde e Sociedade
Campus Baixada Santista
Universidade Federal de São Paulo

O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) foi criado em 1976, no contexto do Programa Nacional de Alimentação e Nutrição II (Pronan II). O PAT é um programa governamental de adesão voluntária, baseado na parceria entre governo federal, empresa beneficiária e trabalhadores, e tem como objetivo melhorar as condições nutricionais dos trabalhadores, ofertando alimentação adequada, por meio da concessão de incentivo fiscal para as empresas.

A recente discussão da reforma tributária, a partir de relatório apresentado pelo seu relator no Congresso, em julho de 2021, colocou a continuidade do PAT em xeque, uma vez que acaba com os incentivos fiscais concedidos atualmente e, com isso, todo o arcabouço legal relacionado ao Programa.

O PAT pode ser considerado um herdeiro das políticas de alimentação do trabalhador, que surgiram a partir da década de 1930. Ainda que sua origem seja dentro do Pronan II, um programa elaborado pelo então Instituto de Nutrição e Alimentação do Ministério da Saúde, o Programa foi sempre administrado pelo Ministério do Trabalho e sua articulação com a saúde nunca ocorreu de fato.

Apesar de inegáveis lacunas na sua execução e da ausência de avaliações nacionais sobre o real impacto na saúde dos trabalhadores beneficiados, o PAT é considerado uma das políticas sociais de maior êxito no país, pelo grande número de trabalhadores beneficiados e sua aceitação junto aos atores envolvidos. Outro importante aspecto na avaliação do PAT é seu incentivo fiscal; estima-se que para cada R$ 1 que o governo renuncia o Programa proporciona a arrecadação de R$ 15,71, apenas com os negócios diretos. O valor da renúncia fiscal do PAT por trabalhador/mês no ano de 2016 foi de R$3,77 e, o valor total da renúncia fiscal foi R$ 734 milhões, representando apenas 0,43% do total de renúncia do governo federal naquele ano (Mazzon, 2016)¹.

Defendemos a urgente revisão dos parâmetros nutricionais, entendendo que o PAT é uma política multifacetada, cuja oferta de alimentação para os trabalhadores varia muito, indo desde a refeição preparada dentro das empresas, em Unidades de Alimentação e Nutrição, até a troca de vales em restaurantes e supermercados, nos quais o trabalhador deve realizar a seleção dos pratos e alimentos para compor sua refeição. Reconhecer essa complexidade é fundamental para uma profunda revisão na legislação ligada a alimentação, criando mecanismos que favoreçam a promoção de alimentação saudável nas diferentes modalidades pelas quais os trabalhadores são beneficiados no PAT. Além disso, é fundamental incorporar nas diretrizes nutricionais o atual Guia Alimentar para a População Brasileira, que também é uma importante ferramenta para promover a segurança alimentar e nutricional.

Também acreditamos que é necessário rever os mecanismos fiscais de isenção do PAT. Não há sentido permitir que as empresas possam deduzir até o dobro das despesas com alimentação de seus trabalhadores, desde que não excedam 4% do imposto de renda devido. O mecanismo fiscal também deve considerar que os custos para ofertar alimentação aos trabalhadores é diretamente influenciado pelas diferentes modalidades de adesão, fortalecendo a oferta de refeições saudáveis, com acompanhamento de um nutricionista, nas dependências das empresas. Além disso, é fundamental contemplar mecanismos de participação para micro e pequenas empresas que utilizam o regime tributário do Simples Nacional.

Entretanto, a defesa de uma extensa revisão do PAT não passa por sua extinção. Como uma das mais antigas políticas de alimentação em vigor no país, o PAT dispões de mecanismos legais constituídos e maduros, que permitem uma revisão sólida sem encerrar o benefício para os milhões trabalhadores beneficiados. Para isso é fundamental reconstituir a Comissão Tripartite do Programa, ampliando a participação da sociedade civil, do Ministério da Saúde (garantindo assento para Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição) e universidades públicas, que têm protagonizado estudos de avaliação do Programa.

A proposta de extinguir o PAT no âmbito da reforma tributária não surpreende. Assistimos nos últimos quatro anos a desvalorização do trabalhador e das suas organizações sindicais. A reforma trabalhista somada a Lei 13429/17 que permitiu a terceirização da mão de obra para execução da atividade fim, enfraqueceu os direitos e relação trabalhistas, desequilibrando a relação entre empregados e empregadores. O resultado concreto pode ser observado na crescente taxa de informalidade — soma dos trabalhadores sem carteira ou contrato formal de trabalho — que ao final de 2019, período anterior ao início da Pandemia, atingiu 41,1% da população ocupada, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas² .

As crescentes taxas de desemprego na população economicamente ativa e o aumento da população em insegurança alimentar e com fome não permitem descartar nenhuma das políticas de alimentação existentes no país. Fortalecer o PAT, inclusive buscando incentivar a aquisição de alimentos de agricultores familiares e comércio local, podem ser importantes ferramentas para gerar empregos e renda. Em um dos momentos mais agônicos da história do Brasil, é hora de defendermos e ampliarmos políticas de saúde e alimentação, nenhum direito a menos pode ser tolerado.

¹Mazzon, JA. 40 anos do PAT — conquistas e desafios da política de alimentação com foco em desenvolvimento econômico e social. São Paulo: Blucher; 2016.

²Fonte: IBGE PNAD Contínua. Acessível no link: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26741-desemprego-cai-para-11-9-na-media-de-2019-informalidade-e-a-maior-em-4-anos

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