“As muitas Unifesp”

Em discurso no Conselho Universitário, Soraya Smaili reafirma as ações realizadas ao longo das últimas duas gestões

Soraya Smaili (imagem: Alex Reipert)

Senhor Presidente do Conselho Universitário
Prof. Dr. Nelson Sass

Senhora Vice-Presidente e Vice-reitora
Prof.ª Dr.ª Andrea Rabinovici

Senhores e Senhoras membros do Conselho Universitário da Unifesp
Egrégio conselho máximo da universidade

Sessão de 12 de maio de 2021

A Universidade Federal de São Paulo completa hoje mais um ciclo: o das gestões 2013–2021. Não temos como falar da gestão 2017–2021, que agora se encerra, sem tratarmos de todo o período dos últimos oito anos e três meses, relativos às duas gestões durante as quais eu tive a honra de estar à frente da nossa instituição.

A ideia de uma sessão de encerramento e de início de uma nova etapa nos remonta, obrigatoriamente, ao ano de 2012, há nove anos. Nesse sentido, considero que o ano de 2012 foi um marco para a vida de muitos de nós e, devo dizer, um ponto de inflexão para a nossa universidade.

Naquele ano — marcado por uma greve nacional, mas também uma greve estudantil de grandes proporções na Unifesp — tínhamos um cenário de crises sucessivas, com conflitos entre docentes e estudantes, a entrada da polícia e a prisão de estudantes a céu aberto (nunca antes experimentada, nem mesmo no período da ditadura) e a completa falta de diálogo entre os diferentes campi, entre estudantes, professores e técnicos. Naquele momento, ainda não tínhamos o ajuste fiscal e orçamentário, mas as condições de trabalho de todos estavam longe ainda de serem dignas. Fruto da falta de planejamento da expansão na Unifesp.

Nesse contexto, surgiu um grande movimento, que foi chamado de Unifesp Plural e Democrática e que decidiu por lançar a candidatura que eu tive a honra de encabeçar junto com a então candidata a vice-reitora, Profa. Dra. Valeria Petri. Claramente, inaugurávamos uma estratégia política, pois não era a candidatura que puxava o movimento, mas sim o movimento que escolhia em plenárias múltiplas a candidatura que levaria suas pautas.

Sabíamos que este era um ponto de inflexão, pois a Unifesp faria a sua opção e, apesar de muito sofrida e machucada pelas lutas recentes, os caminhos poderiam levar a resultados totalmente diferentes. Sabíamos, também, que a Escola Paulista de Medicina, grande e gloriosa, da qual toda nossa universidade tem muito orgulho, se ressentia, como se ressente ainda (mas bem menos do antes), de uma expansão rápida e da desestruturação de sua organização. Igualmente, sabíamos que a expansão, que foi muito bem-vinda e comemorada por nós, se sentia excluída e diminuída, ansiando por assumir o protagonismo. Tínhamos uma universidade tradicional e uma universidade muito nova, e a nossa tarefa foi realizar encontros sucessivos e intergeracionais.

Foram necessários encontros, reuniões, processos de escuta, muitas vezes repletos de falas contundentes. Também foram necessárias elaborações de conteúdos e pautas, para que pudéssemos apresentar propostas que foram sendo elaboradas com estudantes, técnicos e docentes. Foi essa construção que nos trouxe à reitoria ao final de 2012.

Esse cenário e essa construção vitoriosa e democrática esteve presente em todo o período que se seguiu, e na primeira gestão perseguimos o ideal de uma universidade digna, com melhores condições de trabalho. Uma universidade igualitária (não igual), com o reconhecimento da tradição e da história que tanto nos orgulha e da qual eu faço parte, mas também das boas-vindas ao novo, ao diverso e à riqueza da composição de saberes contínuos. Essa foi uma tarefa que se seguiu pelos oito anos da gestão e ainda deve continuar por mais algum tempo.

Passamos os primeiros quatro anos organizando a nossa instituição e, nos últimos quatro, consolidamos políticas. Foram organizadas inúmeras estruturas, desde as Pró-reitorias de Administração, Planejamento e Gestão com Pessoas, até a criação da Coordenadoria da Rede de Bibliotecas da Unifesp (CRBU) e da Superintendência de Tecnologia da Informação (STI), além da reestruturação da unidade de auditoria interna, Audin, Integridade/Comissão Processante Permanente (CPP)/Ouvidoria, Departamento de Comunicação Institucional (DCI) e a completa reformulação da Escola Paulistinha de Educação NEI/Paulistinha.

Fizemos uma grande reforma administrativa, especialmente a partir da criação de câmaras técnicas em áreas administrativas, que tornou possível o trabalho conjunto e coordenado com todos os campi, a otimização e a eficiência nas compras e licitações, antes impossíveis. Conferimos transparência ao orçamento, o que também não existia (colocando no portal e nas audiências). Nunca antes se havia discutido ou apresentado tanto sobre o tema. Nesse sentido, as audiências públicas e rodadas em plenárias/congregações foram fundamentais para a democratização e participação de toda a comunidade. Em 2020, passaram a acontecer de forma virtual, mas entre 2013 e 2019 foram presenciais, computando mais de 150 mil quilômetros rodados entre os diferentes campi. Apresentamos todos os assuntos, sempre muito debatidos. Jamais nos esquivamos da busca por respostas e ações concretas, mesmo em momentos de grande movimentação ou crise.

Juntamente com a Pró-reitoria de Planejamento (ProPlan), pudemos ordenar as estratégias de infraestrutura, afinal significa dignidade no estudo e no trabalho. Organizamos nossos imóveis, autos de vistoria do corpo de bombeiros (AVCBs), escrituras, as novas obras, os manuais para laboratórios, o estabelecimento de divisões de infraestrutura em cada campus. Uma estratégia importante e rica foi a criação dos planos diretores de infraestrutura (PDInfra), que ressignificaram o planejamento, inaugurando uma nova cultura e mostrando que somos capazes de planejar para o futuro. Tudo foi devidamente discutido e elaborado também nos nossos Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI).

A ProPessoas, a mais jovem das pró-reitorias, estabeleceu diversas políticas, estruturando novos rumos, documentando vagas, que hoje estão atribuídas de maneira transparente para cada escola e instituto. Documentamos e demos transparência aos processos de concursos, ao banco de equivalentes, e às retribuições ao exercício de funções gratificadas (FGs) e de cargos de direção (CDs). Lutamos pela implantação do Departamento de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas (DDGP) e pelo DDS, este último composto pelos Núcleo de Assistência à Saúde do Funcionário (NASF) e Núcleo de Segurança, Medicina do Trabalho e Perícia Médicas (SESMT). Ainda há muito o que melhorar, mas temos um conselho de grande e importante representação.

Fortalecemos as pró-reitorias fim. Na Graduação, consolidamos a expansão, acrescentamos parâmetros de qualidade em um trabalho contínuo e permanente que conferiu o conceito cinco para a nossa universidade, na maioria dos cursos de graduação e também no recredenciamento. Os cursos foram discutidos e alinhados em seus Projetos Político-pedagógicos (PPPs), junto ao debate do PPI realizado em novo processo participativo com a ProPlan. Houve a expansão para a Zona Leste, planejada e bem executada, assim como a potente criação do curso de direito.

Na Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (ProPGPq), foram vinculadas novas estruturas, como a Agência de Inovação Tecnológica e Social (Agits) e estreitado o laço com a Secretaria de Relações Internacionais (SRI) e com novos projetos, como as cátedras e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Trabalhamos o conceito de convergência nos diversos temas de pesquisa, os quais continuam em ampliação. Com uma expansão de 39 para 71 programas de pós-graduação, avaliados com conceitos de qualidade, pudemos dar vazão à pesquisa e aos 98% de doutores, em todas as áreas do conhecimento.

A Pró-reitoria de Extensão não teve apenas o seu nome modificado para Extensão e Cultura (ProEC), como trouxe um novo conceito de extensão, articulando a cultura e os direitos humanos, a forte inserção dos mais de 250 projetos sociais e mais de 850 ações de extensão, para além dos cursos de especialização (conceito anteriormente compreendido). A extensão foi inserida na graduação e na pesquisa, encadeou estudantes, técnicos, docentes e sociedade.

As Pró-reitorias fim só se completam com a presença e articulação com a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), importante conquista da instituição, capaz de realizar os indicadores e estudos socioeconômicos, mas também de manter permanente diálogo com estudantes de todas as áreas e com os coletivos, e exímia em formular políticas de saúde, em oferecer acessibilidade e inclusão a estudantes com deficiência e melhores condições de estudo, mesmo diante da crise sanitária.

Para o Hospital São Paulo, o nosso hospital universitário (HSP/HU), temos constantemente buscado recursos. Inicialmente, a aplicação dos recursos do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF). Depois, sofremos um duro golpe, porém buscamos reverter a situação. No ano de 2020, o HSP mostrou que é de fibra, tomou à frente e atuou na assistência fundamental aos mais carentes, além da pesquisa e do ensino. Sentimos orgulho por termos entregue o HU2, hospital-dia, que não é uma unidade separada, mas com governança própria alinhada ao HSP.

No último período, também tivemos o amadurecimento da relação com a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e, a partir dos dois acordos firmados, compusemos o Conselho Estratégico do Hospital São Paulo (ConsEHSP), que auxilia no apoio ao hospital, porém com a gestão administrativa e hospitalar exercida exclusivamente pela diretoria de superintendência, sem interferência da reitoria, sempre no sentido de assistir e dar sustentação.

Buscamos reformular estruturas estratégicas que foram fortalecidas, como a reestruturação da área de tecnologia da informação (TI), com a criação da STI, que em pouco tempo fez muito e atendeu grandes desafios. Hoje temos o Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI) e um rumo. Houve, também, a reestruturação do DCI, com plano de comunicação e estratégias para a política institucional.

Muito mais virá no próximo período. Estamos entregando um processo de estatuto e regimento, além de diversas políticas que organizam nossas ações.

A FAP, a nossa fundação de apoio, que deve ser valorizada, passou por profundos processos de organização a partir do que nos foi entregue em 2013, quando se verificava um déficit e uma estrutura organizacional ainda pouco profissionalizada. Passamos por muitas crises, mas realizamos um procedimento importante de reestruturação recente e que certamente trará frutos promissores.

A Unifesp é hoje uma universidade que dialoga entre os diversos saberes, apesar da distância física entre os campi, da sua juventude e da falta de condições orçamentarias que, infelizmente nos últimos anos, especialmente desde 2017, se aprofundou enormemente. Nesse sentido, temos que nos dirigir aos nossos estudantes e aos membros da comunidade, pois, certamente, é nosso dever propiciar condições cada vez melhores de estudo e trabalho. Porém, ainda precisamos avançar em um novo projeto de país, pois só existe um país, se existirem universidades fortes, que promovam a ciência, a cultura, a saúde e o bem-estar e a vida. É preciso mudar a forma de financiamento, garantindo financiamento público para universidades públicas, garantindo condições de pesquisa e extensão, pois não fomos e não seremos “escolões” de terceiro grau.

Apesar das dificuldades orçamentárias, vejo, oito anos depois, a partir das nossas duas gestões, que poderíamos ter nos transformado em um grande “escolão”, pois a expansão rápida e sem planejamento somada à posterior falta de orçamento, poderia tê-lo feito. Mas isso não aconteceu e não foi por obra da sorte ou do destino, foi resultado de muito trabalho, dedicado e habilidoso. Nos cercamos de talentos, da juventude, da força de acreditar nos que estavam chegando e na escuta aos que sempre construíram a nossa grande Unifesp. Houve espaço para a Escola Paulista de Medicina (EPM), também para a Escola Paulista de Enfermagem (EPE) — aproveito para dar parabéns aos enfermeiros pelo seu dia — assim como teve lugar para as novas escolas: Instituto Saúde e Sociedade (ISS); Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH); Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF); Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT); Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) e, mais recentemente, Instituto do Mar (IMar) e Instituto das Cidades (ICidades). Hoje somos nove escolas e institutos, e a Unifesp só pode prosseguir por estes e pelas ações de ensino, pesquisa e extensão ocorridas nos seus campi e ambientes acadêmicos. Houve avanços em cada ambiente, sobre os quais eu não poderei discorrer aqui, mas que só foram possíveis com o trabalho de todos e uma nota de reconhecimento deve ser feita para cada unidade.

Endereço agradecimentos a todos os membros das gestões 2013–2017 e 2017–2021, pró-reitores, diretores e coordenadores da reitoria. Em especial, a todos os servidores do complexo reitoria, que envolve atendimento a mais de 25 mil pessoas de nossa comunidade em tantos aspectos. São trabalhadores silenciosos, que lutam por nossa instituição, para que todos os procedimentos sejam feitos de maneira correta e exemplar e para garantir que o ensino, a pesquisa e a extensão sejam realizados em todas as unidades.

O meu agradecimento a todos os diretores das unidades universitárias e dos campi é extensivo aos membros de todas as administrações. Meus agradecimentos ao nosso Hospital São Paulo e HU2, hospitais universitários da Unifesp. Por participarem ativamente deste período de pandemia e de enorme crise, faço também menção aos trabalhadores e guerreiros da linha de frente.

Agradeço aos membros das nossas equipes que confiaram e se esforçaram. Quero dizer ao nosso Conselho Universitário que tivemos muita chuva e muito sol, e todos se empenharam com amor, dedicação e nos brindaram com talentos transformadores. Em caráter mais pessoal, minha gratidão aos companheiros que estiveram junto o tempo todo, Valeria Petri, Maria José Fernandes (Zezé), Pedro Arantes, Andrea Rabinovici, Norberto Lobo, Murched Taha, Tania Mara, Isabel Quadros, em nome de vocês, agradeço a tantos outros.

Ao Francisco Miraglia, meu companheiro de jornada de vida, intelectual engajado, generoso e que sempre me apoiou sempre, atuou para que houvesse o sucesso nas ações, sempre mantendo a crítica social e política. Uma forma de maravilhosa de reunir afeto, consideração e reflexão e a perspectiva de ação coletiva. Com ele aprendi e aprendo, sempre. Sem o seu apoio não teria sido possível suportar os anos de grande desafio.

À gestão que se inicia quero desejar muito sucesso. Prof. Nelson Sass e Profa. Raiane Assumpção têm os atributos necessários para a continuidade deste projeto, sem continuísmo, mas com dedicação, com disposição para ouvir e com enfrentamento das dificuldades. Sentimos orgulho de um processo de escolha que foi democrático, que seguiu as regras, que honrou o nosso compromisso e foi assim realizado, pois tinha o objetivo de empossar o reitor eleito. Esse processo teria se realizado dessa forma independente de quem vencesse a consulta, pois nós prezamos a nossa autonomia e as marchas de autodeterminação construídas ao longo de tantas décadas.

As universidades, inclusive a Unifesp, têm sido duramente atacadas nos últimos dois anos. Além de termos sido chamados de todos os nomes, termos sido ofendidos e visto os nossos servidores e estudantes serem achincalhados, está em curso um projeto de quebra de autonomia, de financiamento e de tentativa de destruição de maneira aberta e agressiva. Não tenhamos dúvida que isso se deve a um propósito, não se trata de loucura, mas do desejo de atingir dois objetivos centrais: 1) a diminuição do Estado que serve aos mais pobres e que garante direitos básicos e fundamentais; e 2) ameaçar o espaço de discussão e debate, o espaço da crítica, que só a universidade é capaz de proporcionar e produzir. Para os artífices da destruição, a Unifesp continuará dizendo NÃO (nossa comunidade já foi assim forjada, independente de quem está na gestão). Também não aceitaremos o achincalhe de sermos chamados de “esquerdopatas” ou de qualquer outro adjetivo pejorativo, que desrespeita as nossas histórias pessoais e nossas trajetórias de dedicação à educação pública e ao Estado brasileiro, já que somos servidores estratégicos a serviço de nosso país, dos nossos estudantes e da produção e difusão do conhecimento.

Por fim, quero fazer os parênteses pessoais. Muitos me perguntam o que farei agora. Digo que no exercício do cargo “estamos” e isso é passageiro. Mas no exercício da docência e da ciência “somos”. Por isso, estarei em muitas frentes, atuando como cientista e à serviço de nossa Unifesp em muitos projetos. Além disso, após 35 de EPM e Unifesp e oito anos de gestão, venho a público dizer que mantenho a espinha ereta e a vontade de lutar sem aceitar as DENOMINAÇÕES ESPÚRIAS e tentativas de me desviar do meu firme propósito de seguir defendendo a ciência e a universidade pública, como sempre, mas de um novo lugar.

Nas palavras de Paulo Freire “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa.”

Por fim, quero dizer que oito anos e três meses após o início desse período das nossas duas gestões, podemos dizer que são muitas Unifesp. A Unifesp da diversidade, socialmente referenciada, das políticas de inclusão, da identidade plena, da acessibilidade, das políticas de comunicação social, de integração digital, da inovação e tecnologia, do reconhecimento dos saberes, da busca pela excelência, pela qualidade em todos os níveis. É a universidade da juventude, mas também do orgulho de sua história. É uma universidade combativa, que luta pela educação pública, pela ciência e pela produção de conhecimento.

Soraya Soubhi Smaili

São Paulo, 12 de maio de 2021

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