Cidade de São Paulo

A necessidade de adaptação dos sistemas urbanos de uso coletivo à emergência climática

É necessário que as adaptações desses sistemas sejam feitas com justiça socioespacial, dispositivos de segurança, materiais e tecnologias

Anderson Kazuo Nakano é arquiteto urbanista e demógrafo e professor do Instituto das Cidades (IC/Unifesp) — Campus Zona Leste

As crises urbanas estruturais que persistem na história das cidades brasileiras agravam-se com as ocorrências conjunturais produzidas por diversos fatores relacionados, por exemplo, com eventos climáticos, conflitos sociais, recessões econômicas e diversas formas de macros e micros colapsos nos sistemas de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas de uso coletivo que sustentam as condições de vida e de reprodução social. Recentemente, São Paulo viveu uma dessas crises.

Esses sistemas de fornecimento de energia elétrica, logradouros públicos, transporte coletivo, saneamento básico (abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, drenagem de águas pluviais e coleta e disposição final de resíduos sólidos), saúde, educação, assistência social, cultura, lazer, áreas verdes, segurança pública, abastecimento alimentar, dentre outros, são essenciais para o cumprimento das funções sociais das cidades. Tais funções efetivam-se quando aqueles sistemas de responsabilidade fundamentalmente pública atendem satisfatoriamente às necessidades coletivas por meio da efetivação dos direitos sociais previstos constitucionalmente.

No estado e na cidade de São Paulo, a crise urbana estrutural decorrente das profundas desigualdades socioespaciais entre bairros com moradores(as) ricos(as) e pobres, agravou-se mais uma vez com a ocorrência de problemas e interrupções no funcionamento do sistema de fornecimento e distribuição de energia elétrica que entrou em colapso devido aos impactos de fortes chuvas, ventanias e quedas de árvores, dentre outras causas relacionadas com as emergências climáticas. Certamente, os(as) moradores(as) mais pobres, que vivem em bairros onde as condições urbanísticas e habitacionais são mais precárias, sofreram mais dificuldades e tiveram maiores prejuízos causados pela falta de energia elétrica que perdurou por dias.

Apesar da universalização no acesso às redes e infraestruturas do sistema de fornecimento e distribuição dessa energia elétrica, sabe-se que os(as) moradores(as) dos bairros populares localizados majoritariamente nas áreas periféricas da cidade já sofrem com as oscilações e interrupções que ocorrem regularmente no funcionamento cotidiano do serviço cujas taxas pesam significativamente no orçamento doméstico.

As características da crise no sistema paulista e paulistano de fornecimento e distribuição de energia elétrica mostraram que a discussão deve extrapolar o limitado debate sobre o enterramento da rede de fiação aérea em calhas ou galerias técnicas construídas nos espaços urbanos. É inegável a importância de fazermos esse enterramento que, se bem feito e mantido, encadeará benefícios para os sistemas de logradouros públicos, principalmente para a qualificação das calçadas, e de saneamento básico.

É inegável também que as características daquela crise evidenciaram aspectos importantes que devemos considerar na difícil realização do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11, que visa “tornar as cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis”. Tais aspectos indicaram a necessidade de adaptar todos os sistemas de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas de uso coletivo mencionados anteriormente às exigências impostas pela realidade das emergências climáticas que se agravam rapidamente nas cidades.

É necessário que as adaptações desses sistemas sejam feitas com justiça socioespacial, dispositivos de segurança, materiais e tecnologias que permitam manutenção eficiente e rápida retomada operacional e soluções baseadas na natureza que gerem pouco ou nenhum impacto ambiental negativo. Essas adaptações são custosas, exigem grande quantidade de trabalho e levam bastante tempo. Por isso, precisam ser bem planejadas e iniciadas o mais rápido possível. Que as sociedades e governos urbanos sintam-se convocados para essa importante missão.

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